No artigo Presença, sim! Presente, não!,
publicado na edição desta segunda-feira, 21, em A TARDE, a ialorixá do
Ilê Axé Opô Afonjá, Mãe Stella de Oxóssi, revelou que, a partir de 2016,
o terreiro não irá colocar presentes no mar em homenagem a Iemanjá.
"Meus filhos serão orientados a oferendar Iemanjá com harmoniosos
cânticos. Quem for consciente e corajoso entenderá que os ritos podem e
devem ser adaptados às transformações do planeta e da sociedade", diz o
texto escrito pela líder espiritual do terreiro fundado por Mãe Aninha
em 1910.
"A recomendação feita aos iniciados do Afonjá tem lógica, embora seja
diferente da estrutura histórica construída ao longo dos anos. Cântico
também é uma forma de ofertório. Chama a atenção para a possibilidade de
cultuar de outra forma baseada na liberdade litúrgica que toda casa tem
de dizer como proceder naquele espaço", disse o historiador e religioso
do candomblé, Jaime Sodré.
Discussão
O religioso destaca ainda a relevância da discussão. "É importante o
candomblé discutir assuntos contemporâneos. Mãe Stella está fazendo a
comunidade refletir, apesar de já existir uma preocupação ambiental dos
pescadores e frequentadores da festa que deve ser intensificada. Mas,
uma tradição que se instalou por um longo período precisa do mesmo prazo
para ser revertida", acredita Sodré.
A amplitude da festa em homenagem à Rainha do Mar, realizada no dia 2
de fevereiro, no bairro do Rio Vermelho, foi a principal motivação da
recomendação de Mãe Stella.
"A festa adquiriu uma amplitude que ultrapassa a religião. No início
era um grupo restrito, mas uma multidão, inclusive de seguidores de
outras denominações religiosas, coloca presentes no mar e nem tudo faz
bem ao meio ambiente", explica Mãe Stella.
Limite
Portanto, a ialorixá afirma ainda que as obrigações religiosas não
deixarão de ser feitas. "Os ritos se fundamentam nos mitos e nestes
estão guardados ensinamentos valorosos. O rito pode ser modificado, a
essência dos mitos, jamais!".
A sacerdotisa aposta que a mudança deve agradar a divindade. "Creio que
irá emanar uma energia maravilhosa, pois vai inspirar a criação de
canções lindas para Iemanjá, que ficará muito feliz", disse Mãe Stella. O
presente do Ilê Axé Opô Afonjá ocorre no final do ciclo de festas da
Casa, no mês de novembro.
O líder espiritual do terreiro Mokambo, tata de inquice Anselmo dos
Santos, acredita que - preservando o cuidado com o meio ambiente - a
tradição deve ser mantida.
"Por conta da consciência ambiental, que tem crescido ao longo do
tempo, não acho necessária a retirada dos presentes. No entanto,
concordo e opto pela escolha de materiais que não agridam a natureza e
que ela tenha facilidade e capacidade de absorver", afirma.
A questão ecológica durante a Festa de Iemanjá, em fevereiro, tem sido
colocada em debate há alguns anos. No próximo ano, a campanha 'Iemanjá
protege quem protege o mar'- promovida pelo grupo Nzinga de capoeira
angola - completa uma década.
"Fazemos um alerta para que os presentes sejam biodegradáveis, com
materiais orgânicos", disse Paula Barreto uma das coordenadoras do
grupo.
Os pescadores da Colônia de Pesca Z1 já fazem uma seleção de resíduos
dos presentes que são levados ao mar junto com o presente principal
feito de material biodegradável.
Procurado para falar sobre assunto, o presidente da Colônia Z1, Marcos Souza, não respondeu até o fechamento desta edição.
Desafio
Não é a primeira vez que a ialorixá que assumiu o Ilê Axé Opô Afonjá desde 1976 propõe discussões dentro da religião.
Na década de 80, Mãe Stella foi a autora de um manifesto que orientava o
afastamento do sincretismo - associação entre santos católicos e
orixás, inquices e voduns -, prática comum, na época, que estabelecia
algum tipo de correspondência dos ritos realizados no candomblé com o
catolicismo.
Na ocasião, o documento também foi assinado por sacerdotisas como Mãe Menininha, Olga do Alaketu e Doné Ruinhó.
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