15 agosto, 2007

VI Seminário Nacional de Relgiões Afro-Brasileiras e Saúde em Fortaleza - CE






















Dias 27, 28 e 29 de março de 2007

Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde

Relatório do VI Seminário Nacional Religiões Afro-Brasileiras e Saúde

Abertura

Gostaria de pedir a benção aos meus mais velhos e aos meus mais novos e agradecer aos nossos deuses e deusas pela criação desse espaço de resistência do povo de terreiro e do povo negro, que é o VI Seminário Nacional Religiões Afro-Brasileiras e Saúde.
Quero agradecer também ao povo de Fortaleza que nos recebeu carinhosamente fazendo desse seminário um encontro de confraternização.
Seria injusto de minha parte não agradecer a Marco Antonio Guimarães, a Lucia Xavier, a Fernanda Lopes e a Roger Barros, grandes parceiros que me escutaram em momentos de aflição que antecederam a esse evento.
Gostaríamos de agradecer também o empenho do Dr Odorico, Secretário Municipal de Saúde de Fortaleza e ao Vice-prefeito dessa cidade, Sr Carlos Veneranda.
Agradecimento aos nossos apoiadores e colaboradores: Ministério da Saúde(PN DST/AIDS e PNH), Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, SEPPIR, Prefeitura de Fortaleza, Instituto Cuidar, OPASe FASE/SAAP, que acreditaram em nossa proposta.
Não poderíamos deixar de falar da importância da Equipe de Acolhimento e da Equipe da Secretaria de nosso seminário. Sabemos que acolher e cuidar é uma arte que possibilita a criação de um meio ambiente bom o bastante, características fundamentais do povo de terreiro. O acolhimento, o cuidado e o respeito deve ser a nossa meta nesse encontro, onde muitas vezes vamos divergir no campo das idéias, vamos nos deparar com visões de mundo diferentes da nossa, vamos conhecer outros valores, vamos tomar posições diferentes dos nossos parceiros e parceiras, mas isso certamente é o que nos torna mais ricos, mais fortes e saudáveis.
Agradecemos a cada um dos senhores e senhoras aqui presentes que saíram de suas casas para compartilhar conosco um desejo: o desejo de que seja garantido o direito a saúde de todas as pessoas, independente de cor, religião, sexo, idade ou orientação sexual. O desejo de que o SUS que sonhamos possa se tornar realidade de norte a sul desse imenso país. E certamente nós, povo de terreiro, estamos contribuindo para isso pois foi a nossa força e o nosso axé que fez com que todos e todas pudessem estar aqui.
Sejam todas e todos bem-vindos pois esse seminário é nosso
José Marmo Silva, secretário-executivo da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde

VI Seminário Nacional Religiões Afro-Brasileiras e Saúde
Realização:
• Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde
• Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza
• Prefeitura de Fortaleza

Colaboração:
• Instituto Ori- Apere
• Criola
• Instituto Cuidar
• PCRI/Programa de Combate ao Racismo Institucional

Apoio:
• Ministério da Saúde
• SEPPIR – Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial
• SPM - Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres
• OPAS – Organização Panamericana de Saúde
• FASE/SAAP

A entrega do presente para às deusas das águas
Na tarde do dia 27 de março, os atabaques começaram a rufar na Praia de Iracema e os participantes do seminário entoaram os cânticos de louvor às deusas das águas.
Cada representante e liderança de terreiro saudava as deusas de acordo com sua tradição de matriz africana. Foram cânticos para Oxum, Iemanjá, Dandalunda, Janaína e Mãe Dágua. Todas foram homenageadas e logo a seguir o presente foi levado, em cortejo, ao mar.
O clima de confraternização era grande. Povo de angola, de jurema, de keto, de ijexá, de umbanda, do batuque, de tambor de mina, de terecô, de xambá, gestores e profissionais de saúde saíram cantando juntos em direção a praia. Foi chegado o momento de colocar o presente no mar.
Os mais velhos, conhecedores dos segredos, iniciaram o ritual como manda a tradição, enquanto os mais novos continuavam cantando. Tudo transformou-se em magia e encantamento.
Os homens, carregando os balaios de flores, caminhavam em direção a jangada que levaria o presente. Já na beira d’ água uma onda mais forte aproxima-se e molha a todos e todas. O povo fica feliz e grita: Odôyá! Odôyá! Salve Mãe D’Água, Dandalunda... Ora Iyê Iyê o!
As deusas recebem o presente e retornamos com a certeza que tudo correria bem.

Dia 27 de março de 2007
17:30h - Mesa de Abertura
Pai Silvio, Dr. Odorico, Carlos Veneranda, Maria Palmira, Adailton e Cleide
Convidados:
􀂃 Pai Silvio de Iemanjá - representante do Núcleo da Rede em Fortaleza
􀂃 Mãe Beata de Yemanjá - conselheira da Rede Nacional
􀂃 Sra. Cleide Carmen - representante do Programa Nacional de Humanização/Ministério da Saúde
􀂃 Sr. Adailton Silva - representante do Programa Nacional de DST/AIDS/Ministério da Saúde
􀂃 Sra. Maria Palmira da Silva - representante da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial
􀂃 Dr. Luis Odorico Monteiro - Secretário Municipal de Saúde de Fortaleza
􀂃 Sr. Carlos Veneranda - Vice-prefeito da Cidade de Fortaleza

Pai Silvio de Iemanjá
“Boa noite a todos e todas. Peço à benção aos meus mais velhos e mais novos. Aproveito para saudar os gestores e os colaboradores desse evento. É um prazer Fortaleza sediar um seminário como esse.
A vida da gente parece uma rede. Em nome de todas as pessoas de terreiro de Fortaleza e da Região Metropolitana, sejam bem-vindos. Fortaleza tem a necessidade de tê-los como parceiros. Tudo que for tratado aqui nesse Seminário, seja captado e absorvido, da forma mais carinhosa e consciente. Obrigado.

Mãe Beata de Iemanjá
“Em primeiro lugar eu peço a bênção a todos os meus irmãos, aos meus filhos e quero abençoar a todos. É com grande prazer que estou nesse lugar tão maravilhoso. Fortaleza tem a ver comigo: mulher idosa cansada, mas estou aqui. Agradeço a acolhida.
O povo precisa de apoio, de amor e de compreensão. Se você tem um elo de corrente e você colocar mais um elo, a corrente vai crescer. É o que acontece com a Rede de Religiões Afro e Saúde. Lembro-me o começo disso tudo. Hoje tenho muito prazer em pertencer a essa Rede de Saúde. A cada dia eu me sinto mais fortalecida. Quando olho e vejo todas as religiões: a umbanda, o catimbó, o tambor de mina, o candomblé, o batuque e outras que estão unidas. É isso que Olorum quer. Ele criou o aiyê para existir amor e fé. Uma religião ou culto não pode pensar que é mais importante que o outro. Todos somos irmãos iguais para Olorum. Obrigada
Sra. Cleide Carneiro, representante da Política de Nacional de Humanização do Ministério da Saúde
“Boa noite a todos e a todas. Peço licença para pedir a bênção de todos. Não poderia perder a oportunidade de sair tão abençoada daqui. Nesse momento represento a Política Nacional de Humanização do Ministério da Saúde. Faço parte desse conjunto, dessa política que nesse momento é o espaço mais adequado para que façamos com que haja nova cultura em que todos possam se sentir representados e capazes de contribuir. Nós que estamos inseridos dentro da Política Nacional de Humanização precisamos muito daquilo que sairá daqui. Muitas vezes colocar na lei é fácil mas saber mudar mentalidade é que é difícil. Precisamos mudar mentalidades. Falamos muito e as coisas não acontecem. Quem está lá dentro sabe dessa dificuldade. Vocês sabem podem nos ajudar a modificar essa situação. Por isso, é muito bem-vindo esse momento que se inicia. Obrigada a todos e que o trabalho seja bom para todos nós.”
Sr. Adailton Silva, representante do Programa Nacional de DST/AIDS
“Boa noite. Agradeço ao convite para participar do evento. O Programa Nacional de DST/AIDS tem feito parcerias com a Rede de Nacional de Religiões Afro-brasileiras e Saúde. Vim aqui representar o Programa Nacional junto com os bolsistas do Projeto Afroatitude. Meu principal objetivo é contribuir com vocês, e principalmente, aprender com o acúmulo da Rede de Religiões ao longo desses anos.
Com certeza além desse espaço ser de construção de vários setores da sociedade, é oportunidade de aprendizado para os gestores em relação a algumas políticas. Estou aqui para ouvir e aprender com vocês sobre o que pode ser feito para melhorar e qualificar as políticas com as quais

trabalho e, espero contribuir no que for preciso. Desejo um bom seminário para todos nós.”
Sra. Maria Palmira da Silva, representante da SEPPIR
“ Boa noite. Quero aproveitar para cumprimentar a coordenação do VI Seminário Nacional de Religiões Afro-brasileiras e Saúde. Quero cumprimentar as representações de governo, a Mãe Beata, representando todas as lideranças religiosas aqui presentes. Cumprimento o Vice-Prefeito e demais autoridades e cumprimento o Secretário de Saúde, representando todos os trabalhadores da saúde, aqueles que fazem no dia a dia, a saúde da população negra entrar de fato na agenda do SUS no Brasil.
É uma honra muito grande poder participar dessa mesa porque venho da saúde, da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo. Trabalhei anos naquela Secretaria em que iniciei a implantação da Área Temática da Saúde da População Negra. Vi esse pezinho aqui no cartaz e fiquei emocionada, pois também fizemos um pezinho lá, iniciamos a divulgação de medidas preventivas para o diagnóstico precoce de anemia falciforme. Vejo essa iniciativa se espalhando Brasil afora. É gratificante saber que no início do processo de institucionalização dessa temática havia dúvidas das autoridades sanitárias e dos profissionais de saúde se de fato esse era o caminho: institucionalizar uma Área Temática de Saúde da População Negra. Hoje vemos que isso era verdade e que era importante a nossa bandeira.
Em 2003, na XII Conferência Nacional de Saúde, tive a honra de liderar ao lado de outras lideranças – José Marmo era uma liderança presente- a inclusão nas resoluções da Conferência dos terreiros como espaços de promoção de saúde. Foi um ganho. A primeira vez em que uma Conferência reconheceu a importância dos terreiros como promotores de saúde. Hoje não trabalho mais na saúde. Na SEPPIR trabalho com políticas para comunidades tradicionais, temos recorte para a saúde da população quilombola e membros das comunidades tradicionais. Sou recém-chegada nessa área. Acho que vai ser importante esse trabalho para fortalecer as comunidades de terreiro. Temos parcerias e projetos financiados para esse público. Mas na área da saúde é importante fortalecer essa parceria.
Infelizmente, não ficarei o Seminário inteiro. Deixo aqui os cumprimentos da Ministra Matilde Ribeiro que em virtude de outra agenda não pôde estar aqui. Mas ela me fez recomendações pessoais de desejo de que essa Rede e o Seminário se expandam pelo Brasil afora. Pois o terreiro é o legado mais importante para a resistência contra racismo, desde a escravidão. A partir das iniciativas de municípios, estados e do governo federal começa a entrar na agenda das políticas públicas a questão dos

terreiros. Há um livro do Ministério da Previdência Social, não sei se todos o conhecem... em que as religiões de matrizes-africanas figuram como organizações sociais importantes para a preservação e a conquista de direitos. Aparecem como guardiãs dos direitos de nossa população.
Espero que os próximos dias sejam proveitosos. Que os resultados desse Seminário possam de fato influenciar técnicos, trabalhadores e gestores da saúde do poder público Brasil afora. Estou à disposição e deixo um abraço forte para todos aqui. Cumprimento-os por essa iniciativa tão bela. Estou muito honrada em fazer parte da abertura desse Seminário. Muito obrigada.”
Dr. Luis Odorico Monteiro, Secretário Municipal de Saúde de Fortaleza
“Boa noite. Gostaria de pedir a bênção a vocês (Axé) e saudar a mesa: Mãe Beata, Pai Silvio, o Vice-Prefeito, a Cleide, ao Adailton, a Palmira. Gostaria de saudar e parabenizar o Marmo e o Roger. Estou muito feliz em estar aqui. Esse momento é importante e tem a ver com a nossa trajetória. Desde o movimento estudantil, acreditamos na possibilidade de construir uma sociedade em que se possa conviver com valores das diferenças.
Para ilustrar essa trajetória vou contar um caso: era médico, clínico, recém formado em 1990, residente e Secretário de Saúde de Capuí, cidade do litoral. Consultei uma moça que tinha transtorno mental e a trouxe de ambulância para o hospital psiquiátrico de Fortaleza. A paciente voltou para casa, para a família. A família me pediu emprestado a ambulância para levá-la para o terreiro. Isso foi uma polêmica na cidade. Eu a levei por considerar o terreiro um espaço terapêutico. Eu fui diretor de hospital em Quixadá e muitas vezes a família falava: Nosso irmão está bem aqui , mas precisamos levá-lo para o terreiro e depois ele volta para a internação. Isso aconteceu várias vezes e deve estar acontecendo em vários lugares.
O terreiro fica sendo uma militância clandestina e isso precisa deixar de existir. A militância dos terreiros é muitas vezes mais acolhedora do que certos espaços do SUS. Fico feliz pelo VI Seminário acontecer em Fortaleza. Agradeço ao Marmo por dar preferência para nossa cidade. Aproveito para dar boas vindas a vários companheiros de outros estados. Sejam bem-vindos. Não tenho dúvida de que estamos no rumo certo para a construção de nova sociedade, de novo homem e nova mulher em que novos valores irão vigorar. O terreiro é historicamente um espaço de resistência importante de afirmação de nossa cultura. Do ponto de vista terapêutico, ele é um espaço de escuta, de acolhimento e de cura. Vivemos um momento em que o sofrimento está presente nas pessoas e a medicina não dá conta desse sofrimento. O terreiro é esse espaço de acolhimento e de cura do sofrimento. Muito obrigado. Um grande abraço e feliz Seminário para todos.”

Sr. Carlos Veneranda, vice-Prefeito de Fortaleza
“A tô tô Obaluiaê. Começo minha fala saudando o Orixá da saúde. (Axé) Muito axé. Que esse encontro que reúne o povo de santo e os profissionais de saúde seja profícuo. Responda pelas nossas necessidades de interação e de compreensão para que a nossa saúde e a saúde do povo brasileiro tenha muitos ganhos. Vivemos momento de inclusão graças à força do movimento social e à posse de um homem do povo no Planalto Nacional, o operário Luis Inácio Lula da Silva. Vivemos raro momento de aumento da inclusão no nosso país. Temos hoje mais voz e mais respostas. Temos mais programas voltados para os excluídos do que anos atrás. Isso não é ainda suficiente para evitar as trágicas manchetes de crianças índias morrendo de desnutrição, de morte por dengue hemorrágica, morte por falta de saúde pública e pelas mazelas do mal atendimento nos hospitais públicos. Mesmo assim, volto a dizer, esse é um momento de inclusão. Povo de santo, de umbanda, do candomblé e de outras religiosidades que não citei, precisamos empunhar a bandeira da inclusão. Ela se manifesta num encontro como esse. Aqui hoje estão dignamente representados os babalorixás, as ialorixás, as ekédis, os ogãs e os iniciados. Outros sacerdotes e profissionais de saúde buscando a inclusão dos saberes africanos guardados nos rincões desse país, esperando momento de ver a luz da sociedade brasileira para contribuir para o crescimento desse país. Os que vieram da África, nossos ancestrais, trouxeram ciência e tecnologia, malgrado dos mal tratos sofridos. Foram esses saberes responsáveis pela construção do Brasil. Mas as elites voltaram as costas para a nossa cor e mantiveram o racismo por anos a fio. Racismo escondido nas frases profanas: como preto tem alma branca; é negro mas é limpinho; é negro mas é honesto. O racismo é inibidor do acesso ao emprego, ao estudo e a inclusão na sociedade. Foram séculos de mitigação, mas também séculos de resistência. É por isso que estamos aqui hoje, porque resistimos. Muitos de nós não têm carapinha, nariz chato, nem característica negróide. Mas tem estranha ligação profunda com a mãe África. Sabem que em seu sangue vermelho correm os rios de Oyá, os rios de Xangô, de Oxalá, nas veias da mãe África. E esse sangue é belo porque corrompe o sangue novo da anemia. Vamos corromper com esse sangue positivamente a medicina que nos escuta; é com esse sangue que vamos irrigar a saúde pública com os saberes de nossos terreiros em que o mais importante é o carinho, o afago e a interação da mente com o corpo, do corpo com a natureza, do corpo com o astral, com os céus doa orixás e o Universo de Odumaré. Axé meu povo da saúde. Axé meu povo de santo.”
18:30h - Conferência: As Contribuições das Religiões de Matrizes Africanas para a Sociedade e o Estado.
Edson Cardoso/ editor do Jornal Irohin

“Boa noite. Sinceramente peço licença para ocupar esse espaço que é de uma relevância, que a mesa anterior já pontuou. Espero ser abençoado por todos e todas. (Axé).
A tarefa é difícil. Falo há mais de 25 anos e comentei com amigos que essa seria a minha fala mais difícil. Não imaginei que aos 57 anos fosse sentir uma tensão para falar já que faço isso sempre. Estou emocionado por estar aqui com vocês. Espero estar a altura do convite feito por Marmo. Penso que seja um prêmio não só a mim, mas ao ativismo de uma militância anônima que tem se dedicado há décadas na luta pelo racismo e pela superação das desigualdades raciais. Ao me escolherem para estar aqui, imagino que seja homenagem a outros ativistas que fazem esse trabalho pelo país.
Vou dividir minha fala em dois momentos: no primeiro momento, peço licença para ler notícia de jornal. Sou de Salvador e moro em Brasília.É uma realidade que muitas vezes vocês conhecem mais do que eu. Mas achei necessário escolher texto que tivesse como pano de fundo uma referência comum para todos durante minha fala. É um texto que se refere ao Cabula 4. Cabula é referência antiga para nós. Em 1826, por exemplo, nesse mesmo lugar havia o quilombo do Urubu e que as lutas desenvolvidas por esse quilombo tiveram a participação de terreiros de candomblé.
Vou ler matéria do Jornal Folha da Tarde, de 18 de março de 2007 se referindo a uma nova área do Cabula, o Cabula 4. Uma ladeira estreita e mal pavimentada, à direita da rua Silveira Martins, no Cabula 4, dá acesso a uma comunidade de 6 mil habitantes esquecida pelos órgão públicos de Salvador. Lá embaixo moradores convivem com lixo acumulado, esgoto a céu aberto, ratos, baratas e cobras. “Aqui reina o caos e o descaso. É muito sofrimento”, resume o líder comunitário , Eliosvaldo José Marcos França presidente da Associação de Moradores da rua Amazônia de Baixo que existe há 2 anos e luta por melhorias estruturais para a comunidade. O caminhão da Limpurb só passa na área de baixada onde tem casebres a cada dois meses. Anteontem foi dia de

coleta e foram retiradas 11 caçambas de lixo. O órgão consegue acesso só pela rua ao lado ao Posto Shell. Quando chove a estrada de barros cria crateras e é preciso jogar entulho para passar. “A culpa não é da Limpurb, ela tenta tirar o lixo mas não consegue. “É questão de infra-estrutura”, diz Eliosvaldo. Com o problema acumulam-se por mais de meses materiais e detritos em um canto de uma área de barro usada por jovens e crianças como campo de futebol. Os moradores que moram em uma rua mais afastada preferem jogar o lixo no córrego do Cascão, braço de uma lagoa no Cabula 4, que passa ao lado da área de reserva federal do Exército. Ubiracira de Asunção, desempregada, 49 anos, que vive com filho e neto em casebre perto de ruir com a chuva , diz “todo mundo joga.” “A água desce pela encosta e entra no quarto” , diz Ubiracira. “Convivemos com ratos, cobras, ruas sem iluminação, não tem área para as crianças brincarem, é precário mesmo”, desabafa Risonilde Santana, casada, 53 anos e com quatro filhos. Há alguns anos foi registrado caso de lepitospirose que vitimou morador da região. Dengue é doença comum no local devido à proliferação de mosquitos. Moradora da Alameda Santa Bárbara ao lado do campo de futebol, Angélica Conceição Gomes 47 anos, conta que o maior problema da sua rua é o esgoto que a qualquer chuva , sobe e alga o chão de barro. Presidente da Associação de Moradores da Vila Amazônia disse que precisou ligar mais de cinco vezes para a Embasa na manhã da última sexta para que uma equipe fosse fazer a limpeza dos canais entupidos. Fala Angélica “É como se o bairro não existisse. Isso causa revolta” Enquanto o problema não era resolvido crianças de pés descalços brincavam nas poças em que era possível sentir o mal-cheiro de esgoto. Eliosvaldo França à frente de toda movimentação para chamar a atenção de órgãos municipais para os problemas da região disse que já enviou para a Administração, nos últimos anos, diversos ofícios para melhorar a infra-estrutura. Ele apresentou documentos mostrando que a comunidade já foi contemplada pelo orçamento participativo da Prefeitura. Até hoje os moradores nada receberam. Em março do ano passado foi realizada audiência pública no Ministério Público a fim de resolver a questão. Na ocasião, ficou decidida a realização imediata de obra de contenção e das vias de acesso. Nada foi feito como qualquer autoridade pode constatar ao visitar a rua Amazônia de Baixo. Até o momento tudo o que tem sido feito na localidade é obra dos próprios residentes liderados pela Associação de Moradores, participam da equipe: representantes de cinco igrejas, quatro terreiros de candomblé, um centro espírita e cinco escolas comunitárias. Juntos elas organizam 12 projetos sociais conveniados com a UFBA, a UNINI e o 19º Batalhão de Catadores. São oferecidas aulas de teatro, música e cidadania para 650 crianças e adolescentes. O Superintendente de Urbanização da Capital e subsecretário de Transporte Infra-estrutura, Adriano Peixoto, indicado como responsável por esclarecer o que está sendo feito a respeito daquela região, afirmou que nessa segunda irá enviar equipe até o local.

“Priorizamos as áreas que faze parte do orçamento participativo”, disse Peixoto.
Houve uma referência na matéria a quatro terreiros de candomblé que estão envolvidos com outras instituições religiosas ou Associações de Moradores para de algum modo suprir a ausência do poder público. Estamos em 2007 e nesse mesmo lugar os terreiros estavam, no início do século XIX, buscando animar, apoiar as pessoas que ali lutavam por sua liberdade num país escravocrata. Eu penso que não precisaria dizer mais nada sobre a importância dos terreiros na sociedade. Uma matéria de jornal diz bem em que tipo de atividade um terreiro está envolvido. A questão que temos de refletir é que tipo de apoio um terreiro tem para desempenhar esse papel. O Estado brasileiro é laico quando se trata de religiões de matriz-africana, quando não se trata, ele não é laico. Vocês não têm idéia do tipo de acesso ao dinheiro público que a Igreja Católica tem. Vocês não têm idéia hoje do tipo de acesso dos grupos evangélicos ao dinheiro público. Mas na hora que se trata de religiões de matriz africana o Estado é laico mas ele pode repassar recursos para igrejas, outrsa religiões.
A Política Nacional de Saúde Integral da População Negra é transparente no que diz respeito à importância de participação de entidades e organizações negras para que a Política funcione. Temos certeza de que é preciso essa participação para a Política funcionar, mas essa participação já existe independente da existência da Política. A questão é que condições de empoderamento dessas instituições, desses terreiros, para que elas possam de fato contribuir para que uma Política de saúde voltada para a população negra possa funcionar. As Santas Casas de Misericórdia receberão 3% da loteria dos Clubes (para resolver o problema de dívidas dos clubes de futebol). É recurso carimbado. Como os terreiros poderão exercer a sua misericórdia em relação ao seu povo? Como se observa, para que alguns possam exercer a sua misericórdia existe a destinação de recursos numa loteria. Mas não existe nenhuma iniciativa do poder público que diga “olha, essas estruturas frágeis que desempenham tarefas de esgotamento sanitário, de saneamento básico , de saúde pública, fazem a tarefa do poder público.” Se a Prefeitura de Salvador não cumpre essa tarefa com toda a arrecadação fiscal que possui, imaginem como um terreiro pode dar conta de uma tarefa dessa. O terreiro tem que “correr” para socorrer um quadro de descalabro como o citado na matéria do jornal. Numa área que já ocupamos há séculos. Ela permanece em estado de absoluto abandono, é como se não existíssemos.
A contribuição que posso dar é organizar um pouco o conjunto de obstáculos que temos nesse momento para realizar o que pretendemos realizar: assegurar a atenção devida com equidade para a saúde de nossa população. Mas que tipo de obstáculos nós podemos enfrentar? Vou dar exemplo: o presidente da CBF, Ricardo Teixeira, esteve

visitando alguns estados para falar de Copa de Mundo, em 2014. Ele foi mimado por vários governadores estados, pois nem todos os estados poderão ser sedes da Copa e das eliminatórias. Há uma matéria do Jornal O Estadão, de 17 de março, que trata do agrado dos governadores para Ricardo Teixeira. A Bahia o presenteou com um Oxalá. Vejam só, estávamos nos referindo a uma parte do estado da Bahia – Salvador- e a situação de penúria da população negra em que os terreiros tinham que correr para supri-la no lugar do governo. Mas na visita de alguém que quero agradar, eu dei um Oxalá.
Esse é o primeiro obstáculo ou desafio que temos na relação com o Estado: a apropriação que o Estado faz de nosso patrimônio cultural. O Estado se apodera disso como se fosse dele sem ter vínculo com a população negra. Não se sente comprometido com aquela população. Não é possível se falar de Oxalá sem olhar as condições de vida dois filhos de Oxalá. Mas essa apropriação é feita a todo tempo. É só chegar na minha cidade, no aeroporto, você vê a apropriação dos valores do universo cultural do negro. Apropriam-se dos valores, faturam com eles e não dão a mínima atenção à população portadora desses valores de cultura e de civilização. O Estado quer tirar vantagem de nossos valores culturais e não quer cumprir com suas obrigações de poder público e de Estado conosco.
Os outros quatro obstáculos a que vou me referir, vou extrair da matéria sobre a cerimônia do Palácio do Planalto, no dia 21 de março. A Ministra Matilde e o Presidente Lula não compareceram à cerimônia de comemoração dos quatro anos de existência da SEPPIR e o dia Internacional contra Todas as Formas de Discriminação. Então, em seu lugar compareceu o Vice-Presidente da República que leu o discurso do presidente Lula. Eu já li o discurso diversas vezes e o Presidente não se referiu à Política Nacional de Saúde Integral da População Negra aprovada no Ministério da Saúde. Ela não foi mencionada entre os avanços do seu governo. É bom ficarmos atentos a isso. Mas, o Vice-presidente não apenas leu, ele resolveu fazer considerações sobre o tema. As considerações do Vice-Presidente permitem ver o tipo de dificuldade que teremos com o institucional, com os gestores para mudar essa realidade que vimos no Cabula 4. Ele disse “é muito importante que a gente reconheça sempre que o Brasil é um país de raça miscigenada. Aqui não há outra coisa senão a mestiçagem santa.” Isso ele está dizendo para uma população majoritariamente negra que possui reivindicações específicas e que estaria comemorando quatro anos da sua Secretaria, de que aqui não existe isso. Ao falar de miscigenação ele nega a identidade negra, sua historicidade, sua especificidade, a validade e legitimidade de suas reivindicações. Como se trata de negar a identidade negra, ele continua “eu, por exemplo, tenho sangue negro e me orgulho disso, porque minha avó materna era negra.” A representação política do Estado afirma que é branca e que tem avó negra para negar a realidade da população negra. Então, vamos parar com essa

conversa de negro, de religião negra, de segmento negro, todo mundo aqui é miscigenado. Como é que a Política vai ser implementada se isso não existe. Bom, não vai ser.
Na cerimônia, Tereza Santos, uma ativista de longa data, teve uma fala forte do movimento negro e da necessidade de avançar e tornar esse país uma democracia de verdade. O Vice-Presidente se sentiu ameaçado e respondeu “eu acho que nós, que somos considerados brancos, vamos precisar de gente como elas (Matilde Ribeiro, Tereza Santos, Benedita da Silva e outras) para nos defender porque senão, eu não sei não, os excluídos seremos nós.” Vejam só. Ele revela o medo da perda de privilégios diante das reivindicações da população negra. Ora vejam, José Alencar é um grande empresário brasileiro do ramo de lençóis, toalhas. Como foi que ele construiu esse patrimônio? A biografia dele mostra que ele soube aproveitar bem os recursos públicos para construir o patrimônio dele. Os mesmos recursos públicos que estamos disputando e que nunca tivemos acesso. Historicamente estamos nos organizando para exigir políticas públicas e recursos públicos. De repente, aqueles que sempre foram os donos desses recursos públicos e tiveram o privilégio de utilizá-los em seus investimentos, se sentem ameaçados com as nossas reivindicações de políticas públicas.
Eu falei da apropriação simbólica e aqui temos dois outros obstáculos: a afirmação da miscigenação como negação da identidade negra e o outro, o pavor e o pânico de perder os privilégios no acesso aos recursos públicos. Mas falta um quarto obstáculo: a eliminação física. Não existirá mãe sem filhos. Não existirá pai sem filhos. Os nossos filhos estão morrendo numa proporção que ameaça a nossa continuidade e o nosso futuro. A Política está preocupada com essas mortes da juventude negra. No entanto, nas estratégias da Política se toca muito pouco em qual estratégia será utilizada para deter essa agressão, esse genocídio. Nós temos que construir essas possibilidades. O fato de um Conselho ter aprovado uma Política não significa que ela está completa e acabada. Um Seminário como esse é para passá-la e repassá-la, e ver possibilidades onde vamos ampliá-la na definição de objetivos, onde vamos ampliá-la na concepção de estratégias, onde vamos ampliá-la nessa concepção de descentralização do governo. É fundamental que façamos isso.
Só o reconhecimento do saber de vocês na Política é pouco. O importante é saber de que modo vocês serão incorporados à implementação da Política. No aeroporto, conversei com Ogã Wilson de Piracicaba, no bairro onde está localizado o terreiro dele, não existe Posto de Saúde, nem PSF. Então, como é que o terreiro dele com todas as debilidades conseguirá reunir pessoas e fazer um trabalho sem ser empoderado para isso. Como isso vai ser feito?

Esse Seminário é a oportunidade para vocês definirem essa possibilidade de empoderamento dos terreiros. Os terreiros, ao se relacionarem com o município, com o estado e com o governo federal na implementação da Política, tem que deixar claro a necessidade de empoderar nossas instituições religiosas de matriz-africana. Não pode ser um terreiro da Baixada Fluminense que tem dificuldade para segurar suas telhas que vai para a rua, à frente da implementação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra. Isso é uma ficção. Sabemos que sem a participação de nossas instituições, entidades, organizações, terreiros, a Política não será realidade no Brasil.
Há uma urgência na Política Nacional de saúde Integral da População Negra : como deter as mortes dos jovens negros? Só nós nos importamos com isso. Ninguém está preocupado com crianças negras de 12 a 19 anos que morrem no Brasil. São as nossas possibilidades de futuro. Vocês não podem terminar esse Seminário sem um documento e sem fazer alusão a esse genocídio de nossa população. No Jornal Irohin que mostrarei para vocês amanhã coloquei entrevista com Ana Costa na capa para que ela falasse das dificuldades para a implementação da Política e uma matéria sobre a morte do Clodoaldo, rapper, de 22 anos que foi assassinado por policiais. Clodoaldo não existe mais. Ele se parece com os personagens negros e jovens das novelas: ninguém tem pai, ninguém tem casa, ninguém sabe de onde eles vêm, para onde eles voltam. Existe uma moça negra que aparece na novela das oito apenas para transar com um rapaz e expor as partes do corpo nu. Eu nunca vi a TV mostrar as mesmas partes de corpos das atrizes brancas. Os personagens negros flutuam nas novelas com vidas em fragmentos. O discurso do Presidente de República é sintomático: não houve alusão ao projeto de cotas que está tramitando no Congresso; não houve alusão ao Estatuto da Igualdade Racial e nem à Política Nacional de Saúde Integral da População Negra. Nós não sabemos com quem nós vamos contar. O Ministro da Saúde é novo. É preciso checar compromissos. O Ministro anterior fez algo histórico ao dizer em evento público que há racismo na saúde. E O ministro novo, vai manter essa leitura?
Então, o que espero estar transmitindo para vocês é a idéia de que existem obstáculos que não são de uma pessoa. Os obstáculos são de uma cultura que o racismo criou entre nós. As pessoas dizem que quem matou o garoto foi um policial negro. Como se isso fosse nos calar. Sabemos como o racismo opera na sociedade brasileira. Há quinhentos anos o racismo construiu uma imagem de inferioridade das pessoas negras e a construiu para todas as pessoas. Não só para as pessoas brancas. O fato de um policial negro atirar em uma criança negra não quer dizer que não há racismo no Brasil. É a prova de que há racismo no Brasil que foi capaz de romper o vínculo de identidade que ele deveria guardar

com os seus. Foi capaz de tirar dele o pertencimento que ele deveria manter e guardar com os seus.
Marmo, espero ter dado conta da minha tarefa. Temos que sair desse Seminário construindo respostas. Temos que ter a capacidade de construí-las. Muito obrigado.”
20h- Programação Cultural
Grupo musical Batukajé
Dia 28/03 (das 8h às 17h30)
08:30h - Canticos de louvor à vida e a natureza
Os cânticos foram entoados por Mãe Venina de Ogum(Tambor de Mina do Maranhão), Mãe Ivanize de Xangô(Recife) e Babá Dyba de Iemanjá(Batuque do Rio Grande do Sul)
Após os cânticos José Marmo da Silva, secretário-executivo da Rede de Religiões Afro-brasileiras e Saúde ressaltou a importância do Programa Nacional de Anemia Falciforme pela presença e apoio possibilitando que técnicos e representantes de Associações de Anemia Falciforme pudesses participar do VI Seminário Nacional. “Gostaria de chamar o Dr. Paulo Ivo, da Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro, que nesse evento está representando a Dra. Joyce Aragão do Ministério da Saúde, uma antiga parceira nossa na luta pela saúde da população negra.
Paulo Ivo
Paulo Ivo, representando o Programa Nacional de Anemia Falciforme
Bom dia a todos e todas. Gostaria de saudar meu pai Ogum e todos os sacerdotes e sacerdotisas presentes. Saudar todos os deuses e deusas de todas as religiões de matrizes-africanas que estão aqui no evento. Saúdo nossos ancestrais, sem eles não estaríamos aqui hoje. É com um enorme prazer que participo aqui em nome da Dra. Joyce, coordenadora da Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Falciformes, do Ministério da Saúde. É uma política de ação afirmativa que vem sendo implantada para a população afrodescendente. É uma doença

genuinamente ligada à população negra e que foi esquecida e tornada invisível pelo racismo institucional. Essa doença veio da África e foi dada como invisível esses anos todos, matando nossas crianças e nossos adultos. É uma doença que tem controle cuja política afirmativa vem mostrando que com verbas do Ministério das Saúde, conseguimos implantar políticas estaduais e municipais.
Temos no Rio de Janeiro uma Política Estadual de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Falciformes com redução de 25% para 1,28% de mortalidade nessa população.
Existe a Política de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Falciformes em Recife, em Salvador e, em fase inicial em outros estados. Finalmente, desde 2001, existe a Política de Triagem Neonatal – portaria 822 que obriga todos os estados a ter a triagem neonatal para essa doença através do teste do pezinho. Porém, nem todos os gestores estaduais são sensíveis a essa Política e nem todos resolveram implantar o teste do pezinho. O Sul e o Sudeste todo possuem o teste do pezinho. No Nordeste o teste do pezinho existe só em Pernambuco, Bahia e Maranhão. Faço apelo às pessoas que trabalham com a saúde da população negra para que tentem sensibilizar seus gestores e possamos implantar a política estadual de triagem neonatal em cada estado da federação. O Ministério da Saúde está à disposição para a implantação dessas políticas estaduais, damos apoio para eventos, treinamentos, tudo que esteja relacionado com a doença falciforme. Estamos aqui eu, a Dra. Silma e mais alguns representantes da sociedade civil organizada que vieram financiados pelo Ministério da Saúde. Nossa proposta é entrar nos terreiros com a questão das doenças falciformes. A quantidade de pessoas da etnia negra é grande e sabemos que a prevalência e a quantidade de pessoas com traço falciforme é enorme nessa população. É uma população que merece uma atenção com qualidade e humanizada em que são respeitadas suas tradições e suas culturas. O Ministério da Saúde lança um projeto de contadores de histórias africanas para crianças internadas com doenças falciformes para humanizar o seu atendimento e resgatar a questão africana dentro de suas culturas e de suas raízes. Obrigado.”

Painel 1- Religiões de Matrizes Africanas, Ancestralidade e Saúde
Expositores: Mãe Beata de Iemanjá(candomblé ketu) – Rio de Janeiro
Makota Valdina(candomblé angola)- Salvador
Pai Euclides(tambor de mina) – São Luis
Coordenador: João Benício - Coordenadoria de Assuntos da População Negra da Prefeitura de São Paulo.
Mãe Beata de Iemanjá, Pai Euclides, Makota Valdina e João Benício
Sr. João Benício, coordenador do painel
“Bom dia a todos e a todas. Antes de compor a mesa vou contar uma história para vocês. Antes de pedir à benção a vocês, peço a benção a Xangô meu pai, Kao Kabiecili.

É muita honra estar aqui coordenando uma mesa em que está o Babalorixá Pai Euclides Talabian e Mãe Beata de Iemanjá. Na ECO 92 lá pelas 3 da madrugada, eu , Mãe Beata de Iemanjá, e mais 4 militantes do Brasil escrevíamos o primeiro tratado internacional contra o racismo. Portanto, é uma honra muito grande estar aqui. A bênção de vocês. A bênção dos mais velhos e a benção dos mais novos. (Axé) Gostaria de convidar a Sra. Makota Valdina de Salvador para compor a mesa. Gostaria também de convidar Mãe Beata do Rio de Janeiro. E por fim gostaria de convidar o babalorixá Euclides Talabian.”
Expositora: Mãe Beata de Iemanjá
“Minha bênção a todos e a todas, ogãs, ekédis, abiãs porque para Iemanjá todos são filhos dela e de Odorum. Trocar as bênçãos só nos faz ter mais consciência de nossas raízes. Eu quero agradecer ao acolhimento do povo do Ceará, aos organizadores do Seminário, ao Marmo que teve a grande iniciativa de criar o Projeto Ató-Irê e depois formar a Rede de Religiões Afro e Saúde. Isso só nos fez crescer. Ele nunca esquece de mim. Isso é maravilhoso, só nos dá auto-estima. O que seria de mim, uma mulher de 76 anos, se não tivesse o acolhimento de vocês. Nós precisamos disso, desse afeto, do olhar. O olhar é tudo. Digo que Marmo tem três olhares, para frente, para os lados, para tudo. Eu estava dizendo que me preocupava com o que estava escrito. Só que eu falo aquilo que sinto no momento. O papel é só uma mostra de que estou inserida com vocês de corpo e alma. Vocês me construíram. Vocês me gestaram e minha mãe me pariu. Iemanjá me deu outra vida. Nós, povo de terreiro, temos a vida da aparição e adquirimos outra identidade quando somos iniciados. Quando os orixás dão o orukó(nome) no barracão. Ali é o nosso verdadeiro nome. Nós temos o orukó, o axé. Isso é maravilhoso! Nesse momento peço a todos os meus irmãos e meus filhos que estão aqui para que esse encontro em Fortaleza não fique no abstrato e sim, no concreto. Não fique dentro dos seus egbés, dentro de seus terreiros. Levem suas vozes a outros povos, aos índios, à angola, à umbanda, ao catimbó, ao jeje, pois todos nós precisamos. Nós estaremos multiplicando e mostrando que precisamos de políticas de ações em Rede de Saúde . Todos somos responsáveis. Nós precisamos do nosso ara(corpo) sadio. O orixá, o inkice, o vodum, os encantados usam nosso corpo para trazer sua força, sua energia, sua grandeza. Esse legado foi entregue a todos nós. No Brasil não existem arianos, todos são negros e fazem parte dessa ancestralidade. Cuidem de si, do seu corpo que é o aperê e a cabeça que é o ori.
Em primeiro lugar está o ori, a cabeça. É mais velho. Cuidem das pessoas que chegam no axé e pedem colo. Querem uma palavra em uma hora desesperada. Não se neguem. Foi para isso que Olorum criou o aiyê, com essa visão de amor, de fé, de multiplicação e de ajuda. Ele não nos mandou ao aiyê para vivermos separados, mas em união. Por isto que ele teve respeito, segundo minha avó contava, a cabeça é fêmea, por isso é

criativa. Olorum criou os corpos e os deixou sem cabeças. Olorum chamou Ajalá(o fazedor de cabeças) e ele pegou argila, mandou fazer uma bola e disse “ quero esta bola com sete buracos para eles serem transmissores de tudo que eu quero que vocês sejam perfeitos.” Contem em suas cabeças quantos buracos de transmissão existem: os ouvidos para ouvirmos coisas boas, os olhos para vermos tudo, o nariz para sentirmos o olfato e levarmos o oxigênio para dentro do nosso corpo, a boca para nós passarmos a força da nossa saliva, a força do nosso ar, da nossa fala, das nossas atitudes para aqueles que querem nos ouvir. O ori antes de tudo nos dá oportunidade de sermos humildes, sensatos e construtores de cidadãos conscientes. Esse salão está cheio de ancestralidade. Na visão de mundo yorubá nós não morremos. É como um vidro de perfume. A essência está dentro daquele vidro. O vidro se quebra e a essência fica no ar. Por isso devemos ter unidade, amor, participar de ação da Rede. Não importa sua etnia ou posição social. O que importa é dar a mão ao irmão. O nosso corpo é mantenedor de axé. Esse axé precisa ser multiplicado. Eu mantenho essa posição. Lá no meu axé não interessa a cor, se é homossexual, soropositivo, se tem tuberculose, todos somos iguais. O apartheid não chega até o portão. Outra coisa preciso dizer: as mulheres casadas que se cuidem com a AIDS. Tomem cuidado. Boi gordo pula a cerca, não importa o tamanho. Já é constatado que há mais mulheres soropositivas do que antes. Negociem o uso de camisinha. Façam como eu que vou para o portão ensinar os meninos e as meninas como utilizar a camisinha, eu ensino sim. Temos que ter consciência de que somos seres humanos e que somos morada dos deuses.
Não estou aqui para ser a dona do saber. Fiz todas as faculdades, apesar de ter só o terceiro ano primário. Fiz a faculdade no Recôncavo Baiano, no fundo da senzala. O pilão era meu lápis para fazer o azeite de dendê. Aprendi a fazer a farinha de inhame. Meu pai dizia que mulher não precisava aprender a ler para não mandar bilhete para o namorado. Mas aprendi mais do que ele. Eu fertilizei o meu ori com a minha fé, o meu amor e a ânsia de ser uma cidadã negra do candomblé, amando a minha religião, os meus deuses e minhas deusas e todos que chegam até mim. Em nome de Iroko. Quando se fala em Omolu, em Ossaim, devemos lembrar de Iroko. Quero agradecer a essa linda cidade que nos acolheu. Que vocês saiam daqui pensando que essa corrente tem que ser mil vezes multiplicada. Iemanjá abençoe a todos e todas. Obrigada.”
Expositor:Babalorixá Euclides Talabian
“Bom dia a todos os irmãos. A bênção para quem é de bênção. Para quem é de ketu, motumbá. Para quem é de angola, mokoiu. Para quem é de jeju, kolofé. Saúdo as ancestralidades que fazem parte da saúde juntando Obaluaiê, Ossaim e Iroko. Estou saudando a ancestralidade de cada corpo presente aqui. (Axé) Canto de saudação. Estamos no VI Seminário Nacional de Religiões Afro-brasileiras e Saúde e gostaria de falar

da saúde como um todo, mas não tenho conhecimento dos nomes científicos. O que sei dizer é que nós, os descendentes dos africanos, aprendemos tudo sobre ervas, folhas, sementes raízes, cascas com os mais velhos. Sabemos que o terreiro é o sustentáculo do ser humano. Lembro que 30 e 40 anos atrás quando a medicina não era como agora, a maioria das pessoas iam para a casa de curandeiros, mães de santo, pais de santo buscar o seu remédio. Na maioria das vezes, as pessoas tinham problemas de queda de nervos. Era epilepsia ou problema mental. E sempre nessas casas, as pessoas eram acolhidas e elas ficavam curadas. Hoje isso não é diferente, a medicina está avançada e surge o SUS, mas há dificuldades. Enquanto alguém fica na fila de espera 30 dias, aguardando médico, outra vai lá na nossa casa(no terreiro) e obtém a cura. Nós de casa de culto temos que ter cuidado com isso. Temos que acolher, abraçar, incluir as pessoas que vem atrás de uma palavra amiga. Aliviar aquela dor. Ainda que elas possam ir ao médico, buscar outras saídas para suas doenças.
Não podemos fechar nossas portas. Nós somos cultuadores de orixá e temos que receber qualquer pessoa. Avise que você vai atendê-la assim que terminar a sua tarefa. Se nós fecharmos nossa porta, qual a referência nossa para elas? Nenhuma. Não posso me estender mais porque não conheço palavras. Mas aqui há pessoas que podem ir mais longe. Obrigado.”
Expositora: Makota Valdina
“Em primeiro lugar quero reverenciar nossos ancestrais que chegaram nessa terra que está nos acolhendo para esse Seminário e que iluminaram os que ficaram para recriar e re-elaborar nas formas que ainda encontramos hoje. Isso é ancestralidade, é a nossa marca de ontem na atualidade. Como Pai Euclides, não sou da saúde. Mas vou tentar, a partir do nosso entendimento de saúde que temos da visão do candomblé, compartilhar com vocês algumas das minhas reflexões. Nós angoleiros entendemos saúde como estado de equilíbrio. Esse equilíbrio é físico, espiritual, psíquico, como queiram. Para atingirmos esse equilíbrio temos que nos remeter a uma ancestralidade maior: as energias, os inkices. No Brasil, com a reconstrução, a re-elaboração dessas tradições, fazemos equivalência com os orixás – do povo de ketu- e com os voduns – da nação jeje. Pelo menos estou me referindo ao que tenho na Bahia e que pode ter outros nomes pelo Brasil afora.
Outro dia me perguntaram sobre uma lenda ou mito sobre inkisi. Eu disse que não sabia. Alguns acham que a lei 10639 é para ensinar candomblé nas escolas. Ela não existe para isso. Existe para se trabalhar a questão do respeito às religiões africanas. Não conheço lenda de inkisi. Só sei aquilo que ouvi e aprendi de mais velhos. Não lembro de mais velho contando sobre lenda de inkisi. Lembro dos próprios inkisi que se manifestam e que nos ensinam. Então me perguntaram o que era inkisi. Bom , para mim, se você olhar para a natureza, você vê o inkisi. O inksi

está em você mesmo. Eles estão no ar, na terra, na água, nas plantas, nos animais. Então, como pode... Isso é mistério. Eu só acredito e aceito. Mistério é mistério. Inkisi é isso. Então, de onde tiramos nosso equilíbrio? É da natureza. É a natureza que nos alimenta e o remédio nos alimenta. Essa é a essência. É assim que entendo o que é orixá, vodum. Podemos falar nomes diferentes para terra, água, ar. A essência é uma só. Água é água. Chamam água...É essência. É o que vemos e o que não vemos. Isso é a essência. Bebemos água. Bebemos o orixá. Bebemos inkisi. O que a água contém para que a maior parte do nosso corpo precise dela para viver. É mistério. É o que dá equilíbrio e concorre para a saúde. É o que nos ajuda na cura. O que age mesmo é a essência. Somos apenas instrumentos. Esse Seminário é cura o tempo todo. Estamos nos curando, se renovando, tomando remédio, dando remédio, trocando remédio um com o outro. O fato de nos encontrarmos para refletir, ensinar coisas, receber coisas, isso leva ao equilíbrio. Leva à saúde. Esbarramos em outros processos que estão por aí. O processo de dureza que por não entender esse nosso mundo, esse nosso jeito, essa forma ancestral, que criaram para a gente, nos fizeram doentes. Falo de doenças que talvez o gestor de saúde não tenha consciência. Talvez até nós não tenhamos consciência. A doença da exclusão, a doença do “não” que foi dito para nós e nos causou mal. Precisamos entender isso, tirar isso da gente e curar essa doença da gente. Temos que recorrer ao poder de nos autocurar para passar por esse processo e ser mais fácil o trabalho de cura dos outros. Falo das doenças, dos males, que o racismo, a exclusão, a injustiça, provoca em nós e que nenhum médico vai conseguir diagnosticar. Temos que ter consciência de que carregamos essas doenças e precisamos lançar mão de nossos próprios remédios para curá-las: a essência de nossos inkisi, de nossos orixás, de nossos voduns. Temos que ter muito carinho e cuidado com esses remédios para não irmos atrás de jeitos modernos e esquecermos da essência. Digo isso porque nós somos praticantes de religiões de matrizes-africanas. Há muito modismo e muita procura de quê? A essência atravessa tempos. Ela é sempre atual. Falo de algo que paira sobre nós que é se deixar levar por coisas da modernidade, dizendo que o antigo é cafona. Temos que ser atuais. Temos que viver o hoje porque não estamos na realidade do ontem. Mas não podemos jogar a essência fora porque a essência é que é raiz. É o que nos mantém o tempo todo. Tirou a essência, é qualquer coisa com o mesmo nome, mas não é a mesma coisa. Quando se joga a essência fora e se coloca outras coisas passageiras no lugar. Só a gente pode se curar dela. Eu lembrava das palavras sábias de Mãe Beata. Temos que nos agarrar a isso. É isso que vai nos levar para frente. Esses jeitos e essas formas de entender.
Existe uma doença que já vem há algum tempo. Aliás, foi uma das formas racistas que encontraram para incorporar em nós. Falo de associar uma energia - Exu - ao mal. É uma energia que foi distorcida há séculos. Está na hora de parar e desconstruir isso.

O inkisi Unjira, como a própria palavra já diz, é o caminho, nkisi do caminho, o remédio do caminho. Depois da reverência aos bakulu, os ancestrais, Unjira é o primeiro inkisi a ser reverenciado, não para afastá-lo dos demais nem para mandá-lo embora para não fazer confusão. Mas para levar a mensagem e conduzir com equilíbrio os caminhos dos nossos rituais. O poder de selar, codificar, enlaçar (kanga) empoderar cada um no seu caminho é de Bombonjira, Unjira, pois é sua atribuição ser o guardião do caminho e quem não tem caminho não pode andar ou, quem escolhe um caminho que não é o seu não pode avançar. É o inkisi que sinaliza o equilíbrio ou o desequilíbrio do caminho de cada um. Mas a escolha de buscar a manutenção do equilíbrio ou a cura para o desequilíbrio depende de cada um.
Todas as formas de expressão religiosa são para dar o equilíbrio e fazer com que cada vez mais cada um desenvolva a semente do bem que possui em si. Acredito mesmo que o Unjira/Exu/Elegbara quer é que cada vez mais continuemos lutando para a construção de um mundo melhor, justo e de iguais direitos para todos nós.
NZILA A NGEMBA! (caminho de paz!)
NZILA MAVÍMPI ! (caminho de saúde!)
NZILA KYESE! (caminho de alegria, de felicidade!)
Painel 2 - O SUS e a Rede Nacional de religiões Afro-brasileiras e saúde: uma parceria em construção
Expositores:
Miranete Arruda - médica e coordenadora do GT Saúde da População Negra/Secretaria Municipal de Saúde do Recife
Ana Luisa – socióloga e profissional do CTA do Lira/Secretaria Municipal de Saúde de São Luis
Coordenadora: Vera Dantas – médica da Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza
Miranete Arruda, Ana Luisa e Vera Dantas

Vera Dantas
Bom dia. Antes de começarmos, gostaria de falar que na Fortaleza dos anos 20, 30, 40 e 60, adoecer nem pensar. Só não podia faltar raiz para fazermos chás. Nas periferias, ali estavam eles e elas: as rezadeiras, as cachimbeiras, as macumbeiras, os macumbeiros, amparando, acolhendo, apoiando, curando aqueles que o sistema excludente teimava em ignorar.
Faço parte do Projeto Cirandas da Vida, da Secretaria de Saúde de Fortaleza. Quando falamos de SUS, nosso sistema continua excluindo devido ao preconceito arraigado no coração das pessoas.
Agradeço à organização, aos povos dos terreiros pela oportunidade de aprender todas essas lições. Aprendo desde que conheci Marmo na Articulação Nacional de Movimentos e Práticas de Educação Popular de Saúde na qual a Rede e os terreiros têm ajudado a construir. Convidamos para discutir o SUS e Rede Nacional de Religiões Afro :uma parceria em construção, primeiro a Dra. Miranete Arruda, representante da Secretaria Municipal de Saúde de Recife. Convidamos também a Dra. Ana Luíza, socióloga e integrante do Programa de DST/AIDS de São Luís para que possamos conhecer como é que o sistema de saúde fará diferente para acolher as pessoas, os credos e os saberes para efetivarmos o SUS sem exclusão e discriminação.”
Expositora:Dra. Miranete Arruda
“Bom dia. Enquanto representante da Secretaria de Saúde de Recife agradeço à Rede de Religiões Afro-brasileiras e Saúde pela oportunidade de participar nesse Seminário. Agradeço também aos realizadores desse evento, à Prefeitura de Fortaleza e à Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza. Gostaria de agradecer pelo aprendizado. A Secretaria de Saúde de Recife vem desenvolvendo o trabalho desde 2001, na gestão do Prefeito João Paulo.
O Programa de Anemia Falciforme começou a ser implantado em Recife em 2002. A distribuição da população negra de acordo com o IBGE: 44% no Brasil; 65% no nordeste, 58% em Pernambuco e 53% no Recife. Um rápido informe de indicadores socioeconômicos na cidade de Recife que mostram inúmeras desigualdades da população negra em relação à população branca.
Os distritos sanitários em Recife são seis. A população negra se concentra nos distritos 3 e 6 que possuem maior área geográfica e maior concentração populacional.
A rede municipal tem mudado de característica no decorrer dos últimos anos. A atenção básica possui 219 equipes do PSF. Os agentes comunitários e ambientais possuem quantitativo bastante elevado. A composição de média complexidade possui unidades de saúde que incrementam a hospitalização em relação a saúde mental. Há uma nova

modalidade de abastecimento farmacêutico que são as Farmácias da Família que permite acesso rápido da população aos medicamentos.
O modelo de atenção dentro do SUS é hierarquizado por complexidade de serviços. Temos atenção básica que contempla o Programa Saúde da Família, os agentes comunitários, o Programa de Saúde Ambiental e os Pólos de Academia da Cidade de promoção da saúde através de prática de atividades físicas.
A partir de um contexto político favorável em que o governo municipal comprometido com as questões dos direitos humanos, da igualdade racial, da inclusão social e da gestão democrática e participativa, se soma a essa sensibilidade política, a existência de um movimento social participativo, organizado, atento e contribuindo com esse processo de trabalho e a participação de profissionais de saúde comprometidos com a defesa do SUS. A conjugação desses três fatores possibilitou que desenvolvéssemos ações de saúde em prol da população negra. Iniciou-se esse processo com a criação do Programa de Anemia Falciforme. A política municipal de saúde baseia-se nos planos municipais de saúde, na política de promoção da igualdade racial, no plano nacional de saúde da população negra, na perspectiva do Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e em 2005, na instituição do Programa de Atenção Integral aos Portadores de Anemia Falciforme e outras Hemoglobinopatias.
Houve a instituição da lei que criou o Programa de Anemia Falciforme, a criação de Comitê da Igualdade e Direitos Humanos, a participação do Comitê Municipal na Conferência de Durban e a criação de Núcleo de Cultura Afro-brasileira. A partir daí tivemos vários desdobramentos na educação e cultura. O eixo mais forte desse trabalho foi na saúde com a instituição do GT da Anemia Falciforme que foi o início de nosso processo de trabalho e deu suporte para a Secretaria de Saúde implementar todo o trabalho em relação à anemia falciforme. Tivemos a criação da Coordenadoria da Mulher que incorporou a dimensão de gênero e de raça na sua política.
Em 2004 tivemos uma plenária de negras e negros que foi determinante para o processo de construção da Política Municipal de Promoção da Igualdade Racial e de Combate ao Racismo e a celebração do convênio entre a Prefeitura e o Ministério Britânico para o desenvolvimento do Programa de Combate ao Racismo Institucional desenvolvido de 2004 a 2006. Houve outras iniciativas da gestão como a realização da I Conferência Municipal de Promoção da Igualdade Racial, a criação da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e dentro dela a criação da Diretoria da Igualdade Racial e a implantação e a implementação do quesito cor em todos os sistemas de informação da Secretaria de Saúde do município. E por fim, a aprovação da Política de Atenção à Saúde da População Negra na VII Conferência Municipal de Saúde em 2005. Em 2006 tivemos a instituição da Política Municipal de Atenção à Saúde da População Negra, a ampliação de componentes do GT da Anemia

Falciforme que se transformou no GT da Saúde da População Negra. Nesse GT participam dois representantes das religiões de matrizes africanas.
Até 2001, o sistema de saúde não possuía informações sobre a anemia falciforme. Nosso trabalho foi no sentido de dar visibilidade para essa doença. Partimos para a construção de uma política de combate ao racismo e a implantação dessa política exigiu mudanças no processo de trabalho: capacitações de profissionais, seminários etc nesse processo tivemos apoio financeiro e técnico do Ministério da Saúde. As ações do Programa de Anemia Falciforme são mais amplas, denominando a doença falciforme que compreendem o diagnóstico precoce através da triagem neonatal nas maternidades, assistência especializada e o desenvolvimento de trabalhos de aconselhamentos de gestantes por profissionais especializados.
O Programa de Combate do Racismo Institucional foi catalisador das ações isoladas de diversas Secretarias (de Educação, da Mulher, da Cultura) no trabalho que se transformou, no sentido de que o próprio município, após o encerramento do convênio, adotar o Programa de Combate do Racismo e o combate ao racismo institucional como forma de expressão desse racismo dentro da instituição. Nesse processo tivemos a oportunidade de aproximar os profissionais de saúde dos Seminários que os Núcleos de Cultura Afro desenvolviam em parceria com a Rede de Religiões Afro-brasileiras e Saúde. Realizamos, em parceria, a campanha de vacinação dentro dos terreiros. Doze terreiros participaram dessa atividade. Essas relações foram estreitadas e produtivas para garantir a implantação da Política de Saúde da População Negra. Nossa próxima atividade conjunta será a campanha de vacinação de idosos que contará com 36 postos de vacinação nos terreiros. Planejaremos outras ações conjuntas com os terreiros voltadas para crianças, o aleitamento materno, prevenção do câncer cervi-uterino, do câncer de próstata. Um conjunto de ações que são de prevenção e de promoção serão incrementadas nessa parceria. Estamos aqui no Seminário em caravana de 50 pessoas de Recife. É um trabalho que caracteriza a construção do processo de combate ao racismo. Como itens finais, há o desenvolvimento de institucionalização de práticas de combate ao racismo institucional e o fortalecimento da Rede de Religiões Afro-brasileiras e Saúde, estimulando a articulação intermunicipal e a disseminação de lições aprendidas. Essa articulação vem se dando do Recife com outras Secretarias dos municípios da região metropolitana. Para terminar mostro fotos de momentos da campanha de vacinação do ano passado e das oficinas do quesito raça/cor. Nesse ano, fotos da reunião preparatória para o fortalecimento desse processo de trabalho que se desdobrará em abril com essas ações que desenvolvemos na Rede. Aqui algumas imagens de nossa cidade para vocês matarem a saudade e para conhecerem um dia. Gostaria de agradecer a todas as pessoas da nossa caravana que vieram, pelo esforço não só institucional, mas pessoal, de saírem de suas rotinas, de seus afazeres, e se integrarem a esse processo de trabalho, ainda que muitas

vezes passando por situações desconfortáveis, incômodas e que estão aqui, muito integrados, participativos e comprometidos com essa parceria que vem se estabelecendo. Obrigada.”
Expositora: Sra. Ana Luíza
“Bom dia a todos. Parabenizo a organização desse evento que acompanhamos já há três anos e, cada vez mais, ficamos felizes por ver um número maior de pessoas participando. Acreditamos que há uma disseminação maior, uma publicização maior do que vem se discutindo nesses encontros. Ratificando: sou Ana Luíza e técnica do Programa Municipal de DST/AIDS e enquanto gestora da Secretaria de Saúde, a minha fala vai se reportar à parceria que a Rede de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde vem estabelecendo com a Secretaria, especificamente, no Programa de DST/AIDS. Isso nos dá a abertura para uma intersetorialização com outros Programas. Essa parceria vem sendo construída desde 2005, com um diálogo aberto e salutar. Continuando essa parceria temos no Plano de Ações e Metas em que se alocam recursos vinculados a atividades para o período de um ano. Ano passado iniciamos atividades para profissionais de saúde do PSF e PAC. São Luís está dividido em 7 distritos sanitários em que aconteceram capacitações nos terreiros e dos gestores e trabalhadores da saúde com o auxílios do pessoal da Rede de Religiões. Nesse ano de 2007 já temos algumas ações pactuadas no PAM: 1) o I Seminário da Região Metropolitana da Grande São Luis que envolve os municípios de Passo do Lumiar, Raposa e São José de Ribamar. Esse Seminário será aberto para ONGs, gestores e Programas Municipais de DST/AIDS. 2) levantar o número de pessoas existentes nos terreiros na Grande São Luís. Foi negociada uma pesquisa com o Núcleo de São Luís da Rede de Religiões para fazer um levantamento da situação da saúde da população negra que freqüenta esses terreiros. 3) está pactuada a realização de 3 oficinas de capacitação sobre religiões de matrizes africanas e saúde para gestores e profissionais de saúde. 4) 6 oficinas para população de terreiros de 2 em 2 meses. A Rede vem se ampliando porque estamos juntos, nesses diálogo, visitando inclusive outros terreiros para que façam parte da Rede. O trabalho da rede em parceria como SUS no Maranhão vem tendo boa aceitação e só se efetiva uma política pública se tivermos a participação dos terreiros no controle social. 5) a continuidade das ações de saúde nos terreiros através da articulação com outros programas de saúde: saúde bucal – aplicação de flúor- tuberculose, hipertensão, etc. Realizamos em dois terreiros, no fim de semana passado, atividades que foram sucesso. A Secretaria de Saúde tem consciência de que ainda se faz pouco diante do que está proposto nas políticas públicas. Há um déficit de políticas que contribuam para a acessibilidade como direito humano e fundamental no que se refere à população negra e de terreiros. Vou ser breve e para finalizar mostro um material (fotos) das atividades da campanha de vacinação e da Casa da Águas, em parceria com o Programa de DST/AIDS, profissionais de

bioquímica e a comunidade comemorando o Dia Internacional da Mulher com a feijoada do batom. Fazemos uma ação educativa sobre a importância da discussão do tema DST/AIDS porque é grande o número de mulheres com HIV. Tivemos boa adesão aos testes da população da terceira idade. Demonstração do uso do preservativo. A participação das parteiras na comunidade.
Para finalizar o Programa de DST/AIDS elaborará material específico para a população de terreiro. Será estruturada uma pesquisa para fazer um levantamento da população negra de terreiros no estado articulada pela Secretaria de Saúde do Estado.
Muito obrigada.”
Dra Vera Dantas, coordenadora do Painel
“As duas experiências trazem olhares diferentes: a de Recife apontou a luta pela discussão da legalidade da política de igualdade racial e de algumas ações dirigidas para dentro dos serviços de saúde em interação com o sistema municipal de saúde, a experiência de São Luís já apontou para iniciar essas ações a partir da Rede de Religiões constituída. Trago questões: o que o SUS aprende com as experiências dos terreiros? E o que nós trabalhadores aprendemos com experiências que acontecem nos terreiros? Aqui em Fortaleza temos ouvido um pouco da experiência de acolhimento, de cuidado dos terreiros. Como fazer a integração desses saberes? O que podemos incorporar dessas experiências no cotidiano da saúde? Foi interessante na experiência de S. Luís ouvir sobre a capacitação para gestores para eles pensarem como isso pode ser incorporado. Essas são coisas para serem problematizadas no debate.
14/17h - Realização das Oficinas
Coordenação: Pai Silvio de Iemanjá
Oficina 1 - Juventude e Tradição
Facilitador: Pai Celso de Oxaguiã – Núcleo da Rede São Paulo
Oficina 2 - Mobilização e Controle Social das Políticas Públicas de Saúde
Facilitador: José Ivo Pedrosa – Ministério da Saúde
Oficina 3- Direitos Humanos e Saúde
Facilitadora: Lucia Xavier - Criola
Oficina 4- Saúde da População Negra
Facilitadores: Luis Eduardo Batista – Secretaria Estadual de Saúde de SP
Fernanda Lopes – PCRI-Saúde
Oficina 5 – Educação, Saúde e Axé nas religiões de Matrizes Africanas
Facilitadora: Vanda Machado – Secretaria de Cultura de Salvador

Apresentação dos resultados das oficinas
Pai Silvio, coordenador das oficinas
“Antes de passar para a leitura dos resultados das oficinas, quero divulgar o site do ORIAXÉ –www.oriaxe.com.br no qual já estão as fotos de ontem do evento Presente para as Deusas das Águas. Quem se interessar acesse o site. Vamos agora para a leitura dos resultados das oficinas. Cada relator terá 5 a 10 minutos para divulgar os resultados e fazer seus comentários”.
Oficina Tradição e Juventude nos Terreiros.
Relator- Pai Celso de Oxaguiã
“Motumbá. (Axé) Quero agradecer à Fortaleza pela acolhida e pela possibilidade de estar aqui. Que Exu receba meus cumprimentos por poder partilhar essa atividade com os senhores e as senhoras. Iniciamos a oficina conversando sobre as dificuldades, os embates, os nós do diálogo entre a tradição e a modernidade. (Estou nervoso, pois não sabia que iria apresentar a oficina. Mas Exu é o meu pai e irá me ajudar a comunicar.) Agora quando você quer falar com alguém, você envia um e-mail.
Esse é ponto para refletir na medida em que não existe futuro sem passado. Sou sacerdote de Oxaguiã e não poderia deixar de cuidar da vida, das pessoas, a partir da minha história do meu momento e do meu

presente pois o candomblé é feito de jovens, mais velhos, homens e mulheres.
A tradição e a modernidade são coisas que precisam ser conversadas. Como disse Marcos na oficina, não existe caminho a seguir , daqui para frente, se os mais novos seguirem sozinhos. É preciso beber da fonte a todo momento para que o candomblé se estruture e se mantenha com qualidade cada vez melhor. Entre nós existem muito meninos escolhidos para ogãs e meninas escolhidas para ekédis, mas nem sempre a autonomia, o respeito a essas lideranças mais novas está colocado em primeiro lugar. Não existe candomblé, não existe umbanda, não existe nagô sem continuidade, sem os mais novos. Para as questões do protagonismo infantil, é preciso discutir políticas e o controle social das políticas de saúde. Mas existe outra política que é a política do relacionamento entre nós, no mercado, na fila do açougue, dentro do terreiro e na relação entre terreiros. Se somos lideranças devemos respeitar e ser respeitado nessa condição em que estamos. Somos eternos e continuamos em outro espaço. Não existe ação que gere resultado. Ao pensar em protagonismo, você pensa em autonomia. Às vezes você tem um e não tem o outro. Ao pensar a atuação, você deve pensar articulação. Nem todo mundo é articulado como gostaríamos que fossem. Muitas vezes por não sermos articulados, não falarmos tão bem, não freqüentarmos a Academia, não sermos lideranças, impede que sejamos respeitados por outros iguais a nós mesmos. O fato de você não ter titulação, impede que você tenha ascensão no seu grupo. Isso é um desafio. É preciso que as pessoas construam a sua autonomia. A autonomia, o poder, o controle e a autoridade caminham juntos. Para garantir o debate, o diálogo é a ferramenta.”
Oficina Saúde da População Negra
Relatora - Fernanda Lopes
“Listamos alguns pontos que são essenciais para que haja uma maior participação dos terreiros, do povo de santo das várias denominações de matrizes africanas na construção do Sistema Único de Saúde(SUS) na garantia do direito humano à saúde e na promoção da saúde da população negra:
1) Reconhecer que os valores e saberes cultivados nos espaços religiosos das religiões de matrizes africanas não passam, eles permanecem. Esses espaços devem ser vistos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e por todos os cidadãos e cidadãs brasileiras como espaços promotores de saúde, de vida, de dignidade e de direito. Em razão disso, essas pessoas estão discutindo direito humano à saúde.

2 comentários:

Anônimo disse...

bah bem massa a religiao di vcss !!!
qro entra pra baba diba de liymonja!
hauhsuhsuahsuahsauhs
bjoo

Anônimo disse...

qqqqqqqqq lllllllllleeeeeeeeggggggggaaalllllllll





bbbbbbbbbjjjjjjjjjjjoooooooooooo

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