09 maio, 2014

PRIVATIZAÇÃO DO CAIS DO PORTO DE PORTO ALEGRE O QUE O POVO DE TERREIRO TEM A VER COM ISTO?

PRIVATIZAÇÃO DO CAIS DO PORTO DE PORTO ALEGRE
O QUE O POVO DE TERREIRO TEM A VER COM ISTO?

 *Por Baba Diba de Iyemonja

Em tempos de I Conferencia Estadual de Povo de Terreiro do RS, realizada em Porto Alegre em março deste ano, e também quando o racismo entra em pauta nas mídias e redes sociais provocado por ações em partidas nos campos de futebol, nos deparamos com mais uma surpresa: A privatização do Cais do Porto de Porto Alegre todo o peso do racismo que isto representa.

O “passeio”, ato tradicional, que se repete há quase 300 anos, mantido pelos terreiros de Batuque do RS. Ocorre após recolhimento por oito ou dezesseis dias de Omorisas ( filhos e filhas de santo em processo iniciático) que ficam sem contato com o mundo externo neste período. O “Passeio” representa uma ressocialização simbólica dos iniciados, quando visitando o Cais do Porto, na antiga Doca dos Bombeiros, como reverencia aos ancestrais (negros e negras escravizadas) que ali aportaram e por ali tombaram, assim como reverenciar às divindades das águas (Osun, Iyemonja, Osala). Após dirigem-se ao Mercado Público para reverenciar “ESU”, o “Bará, senhor do Mercado”, por conta de ali estarem as relações sociais e nele se concentrar “tudo que a boca come”, num sentido de fartura e prosperidade para o iniciado.


Ao fazer o passeio com filhos, filhas, netos e netas de Axé, ao nos dirigir Cais pelo Portão de hábito, fomos surpreendido pelo guarda que nos impediu a entrada, por ordem da nova administração, fazendo referencia ao arrendamento do Cais do Porto por 25 anos à iniciativa privada. O guarda foi irredutível. Sugeriu que estacionássemos fora das dependências do Cais e entrássemos pelo túnel-acesso que une a volta do Mercado ao Cais Mauá. Assim o fizemos. Ao adentrar no espaço do Cais, outro guarda, desta vez negro, por que é assim que o sistema racista age, colocando nossos iguais para o enfrentamento, tentou nos impedir de chegar até o Cais. Obviamente que desta vez não aceitamos, e nos dirigimos à doca para nossas rezas de agradecimento e sugerimos a ele que então chamasse a polícia, o que ele não fez. Fizemos nossas rezas, oferecemos flores, agradecemos, mas não sem sentir a violência e humilhação da sensação de estar transgredindo alguma Lei. Quem vai reparar este constrangimento coletivo?

Um dos debates que foi marcante na Conferencia Estadual de Povo de Terreiro, diz respeito à territorialidade negada historicamente ao Povo Negro e consequentemente ao Povo de Terreiro. Por mais que tenha sido arrendado o espaço público do Cais do Porto, ainda assim é um bem público pertencente ao Povo gaúcho. Como podem vilipendiar, violentar um direito humano de expressar o seu sagrado? Esta é mais uma violência à nossa ancestralidade que com certeza não vamos suportar calados, ato de racismo institucional e intolerância Religiosa institucional que não pode ser mantido.

O nome desta violência vem sob o nome de “revitalização” que, para nós, nada mais é do que mais um ato arbitrário e de racismo, que fazem sem consultar os cidadãos e cidadãs que são os maiores interessados em melhorias de espaços urbanos.

Nós Povo de Terreiro não podemos aceitar tamanho ato de marginalização e criminalização das nossas práticas sagradas mais uma vez, colocando o estado à serviços do racismo e da intolerância religiosa.

Que as autoridades e órgãos competentes tomem as devidas providencias para barrar mais esta violência contra o nosso povo.

Basta de racismo e chega de Intolerância Religiosa. Exigimos respeito!

Porto Alegre, 08 de maio de 2014.


* Baba Diba de Iyemonja é o nome Religioso de Valmir Ferreira Martins, acadêmico de Saúde Coletiva pela UFRGS – Babalorixa do Ile Ase Iyemonja Omi Olodo – Vice Presidente da OSCIP Africanamente – Centro de Pesquisa, Resgate e Preservação de Tradições Afrodescentes, Membro da Executiva do Comitê Estadual de Povo de Terreiro , Diretor da ESTAF – Escola Olodumare de Filosofia e Teologia Afrocentrada e Coordenador da RENAFRO-SAÚDE-RS.

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